sexta-feira, 4 de julho de 2014

O pajem alcoviteiro

Quem me conhece sabe que algumas das minhas paixões literárias são as histórias e lendas da História de Portugal, os nossos contos populares, a mitologia greco-romana e acima de tudo, o Ovídio das Metamorfoses.

Há tempos atrás, pediram-me que juntasse tudo num pequeno conto… mas o que têm essas coisas tão díspares em comum? A tradição oral, a intemporalidade, o encantamento…

Deixo-vos com O pajem alcoviteiro [de Alcobaça]…

Conta-se que no reinado de D.Afonso IV, vivia um pajem, rapaz muito alcoviteiro…

As suas funções extravasavam em muito as de um pajem, pois estava sempre com os seus mexericos, a arranjar grande confusão entre os fidalgos do reino. Ouvia aqui, acrescentava ali e repetia amiúde, acolá.

Adorava perseguir o príncipe D. Pedro e a sua bela amada Inês, até à Fonte dos Amores e deliciava-se escutando, escondido entre os arbustos, as juras de amor trocadas entre os amantes. Depois, a troco de alguns reais, ia correndo contar aos fidalgos de D. Afonso IV, tudo o que vira e ouvira. Estes últimos, logo aproveitavam para conjurar contra os amores proibidos de Pedro e Inês, a bem da nação, claro… como se ódios, violências e morte, pudessem se sobrepor a tão grande amor!

Uma bela manhã primaveril, estava o pajem alcoviteiro atrás da parelha de apaixonados, quando a sua curiosidade repara num poço que havia meio dissimulado entre as flores, na quinta junto ao Mondego, cenário dos encontros clandestinos.

Aproxima-se o pajem do poço e neste debruçando-se, atraído pela imagem meio distorcida, contudo bela, pareceu-lhe ver um jovem, lá no fundo,  mais ou menos da sua idade. Resolveu então gritar-lhe: - Olá!! e logo julgou que alguém lhe respondia: - Oláaaaaa! Inclinou-se um pouco mais e catrapum – caiu dentro do poço, tal Frei João dentro do caldeirão!!

Tal como se formos à cozinha do Mosteiro de Alcobaça visitar, se formos com cuidadinho… escondido no caldeirão, lá estará Frei João a espreitar! também se visitarmos a Quinta das Lágrimas, ainda hoje parecer-nos-á ecoar um jovem - Oláaaaa!


Moral do conto: Coitado do alcoviteiro, a curiosidade acabou por enredá-lo na sua própria teia. 

Julho de 2014

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