Natal é sempre que uma criança nasce
Era uma casa muito engraçada e muito alta e cor de tijolo,
tinha teto, tinha tudo…
Tinha primeiro andar, tinha escadas brancas como a neve…
Tinha um sofá, em tons damasco, encostado a umas janelas rasgadas que, teimosamente, insistiam em trazer o sol para dentro… por isso as cortinas, em tons de vermelho desmaiado, permaneciam abertas… mas o sol parecia aquecer pouco.
Tinha duas gatas, uma a condizer com a decoração, de nome Ginger e outra, tal pantera negra, de grandes olhos verde-pinho.
Conversavam em picardia, no seu miar cada vez mais british (tinham sido levadas pelos donos para Inglaterra há meia dúzia de meses).
Ginger, a mais sábia, dizia em tom de indignação:
− Olha lá, Bo! Do they know it's Christmas time?!
− Why? Quer dizer, porquê? Não precisas de miar em inglês; os donos, Catarina e Tomás, não estão cá, podes miar em português, gosto mais.
E Ginger continuou:
− Foram-se embora passar o Natal a Portugal e deixaram-nos sem aquela ridícula árvore (porque era arrancada à natureza) enfeitada com umas maravilhosas bolas multicolores de lã com as quais adoramos brincar… será que se esqueceram? − Será que se esqueceram? Replicava insistentemente, como um sino de Natal.
Bo, perdida de sono, retorquiu:
− Rrrrrrrrrrrrr Rrrrrrrrrrrrr, deixa lá, com os humanos fora durante uns tempos, podemos ter uma verdadeira vida de gato, digo, de lord! − Onde será que a humana esconde o saco de água quente e os pacotinhos de chá?
− Minhauuuuuuuuuuuuu, já vamos descobrir, Bo!
− Estou mais interessada na manta pied-de-poule e nas butter cookies!
E alegremente, cantarolavam:
− Do they know it's Christmas time at all?!
Entretanto a muitos e muitos quilómetros de distância dali…
Era uma casa muito engraçada e muito pequena e branca,
tinha teto, tinha tudo…
Tinha umas escadas pequenas.
Tinha uma porta branca como a neve…
Tinha também umas bonitas e brancas janelas, que teimosamente, insistiam em trazer o sol para dentro… e o sol aquecia muito.
As janelas, bonitas e brancas, pareciam recortar a serra ao fundo no horizonte. Todas as tardes o sol em tons de damasco deitava-se entre o azul do oceano e o verde-pinho da serra.
O jardim da casa engraçada, pequena e branca tinha gatos de todos os tamanhos, cores e feitios: grandes, pequenos, brancos, pretos, amarelos, malhados, às riscas, brincalhões, saltitões, sonolentos…
Viviam juntos, brincavam juntos, comiam juntos, dormiam juntos e cantavam juntos:
−Todo o mundo quer a vida que um gato tem!
Por estes dias, o mais esperto deles, preto e branco, de nome Pompom, perguntou:
− O jardim já não devia ter aquela ridícula árvore (porque era arrancada à natureza) enfeitada com gambiarras e umas maravilhosas bolas multicolores com as quais adoramos brincar?!
− Onde estão as luzes brilhantes que, nesta quadra, iluminam o jardim?
− Será que a humana, a D. Paula, se esqueceu? Replicava insistentemente, Pompom, como um sino de Natal! E ronronou:
− Por falar nisso, faz algum tempo que a não vemos. Têm sido as vizinhas que nos põem a comida. O que será que lhe aconteceu?!
Todos os gatos cantavam em uníssono:
Não muito longe dali, D. Paula recuperava de uma queda estapafúrdia que lhe partira o tornozelo direito. Resolvera então ir para casa de sua mãe, D. Helena, que vivia numa casa muito diferente das outras duas: da casa muito engraçada e muito alta e cor de tijolo e da casa muito engraçada e muito pequena e branca.
A terceira casa
tinha duas coisas iguais às outras duas: uma gata (que D. Paula tinha levado
consigo), esta muito felpuda, pelo multicolor aveludado em tons negro e fulvo e de
grandes olhos verde-pinho e, curiosamente, a ausência da habitual e ridícula árvore (porque era arrancada à natureza) enfeitada
com gambiarras e bolas multicolores.
A gata, Mia de
seu nome, habituada durante a quadra natalícia a ver no jardim da casa engraçada
e muito pequena e branca, a árvore enfeitada
com luzes e bolas multicolores estranhou a falta de brilho na casa diferente e
ronronou:
− Do they know it's Christmas time at all?
Algo de muito estranho parecia estar a
ensombrar essas casas. Por onde andaria, este ano, o espírito de Natal?
Os humanos da primeira casa, a casa muito engraçada e muito
alta e cor de tijolo, pareciam ter outra prioridade… não poderia ser em nome da
ecologia…
D. Paula, da casa muito engraçada e muito pequena e branca,
não tivera tempo de decorar o seu jardim… nunca tal acontecera…
A mãe de D. Paula, surpreendida pela visita inesperada e prolongada da filha, do neto
Pablo e ainda da gata Mia, parecera esquecer-se completamente das decorações
natalícias.
Foi então que o
espírito de Natal resolveu surpreender tudo e todos e, através do Deus-Menino,
Deus enviou a essas três casas um sinal de Luz e Esperança.
D. Paula recebeu com emoção a notícia da chegada do Menino
Jesus da família; chegará em junho e simboliza o verdadeiro espírito do Natal.
Em junho será
Natal e todas as três casas, a muito engraçada e muito alta e cor de tijolo, a muito
engraçada e muito pequena e branca e a diferente das outras duas resplandecerão
de luz cor de ouro tal estrela de Belém.
É Natal, É Natal!
Conto
escrito, a pedido da minha filha Catarina, para o bebé que vem a caminho.
Com todo o amor da sua
avó,
Ana Paula Fogaça
20 de dezembro de 2021.