Era um final
de tarde agradável de calor ameno que se fazia sentir no Parque de Cascais.
Ainda sequer eram 18:00 (de Verão o Parque encerra as suas portas mais tarde), ecoavam
ainda pelos jardins e balouços os gritos felizes e barulhentos dos meninos,
quando surgem três pavões engalanados, em fila, caminhando em direcção ao
portão que dá para a Casa de Santa Maria, esta sobranceira ao mar, também calmo
nessa amena tarde.
- Vamos,
vamos que chegamos tarde! Dizia a pavoa.
- Calma, não
há curso de português hoje em Santa Maria. Retorquiam os outros dois pavões.
- Mas não
quero perder nada da cerimónia que está prevista para as 18:15… continuava a
pavoa.
- Ora, achas
que te deixam entrar a ti? Toda desajeitada e atarracada, com essas penas
horrorosas marrons? Disse o pavão de plumagem exuberante, logo aproveitando
para abrir o seu majestoso leque. E continuou:
- A mim,
sim, vão deixar-me entrar no farol. Sou magnificente, símbolo de imortalidade.
Certamente vão querer ter-me por perto aquando da cerimónia. Eu que acompanho a
deusa olímpica, ficarei bem perto da Daniela.
- Cala-te!
Retorquiu irritada a pavoa.
- Gabas
tanto essa cauda e esqueces-te a quem deves esses olhos! Pobre Argus, pobre Io…
Não, não creio que sejas um bom presságio para a boda. Morte e ciúme não
combinam com Amor e Pureza!
- Pois não!
Concordo plenamente. Insurgiu-se o pavão branco e logo retorquiu altivo:
- Esperem
por mim. Boda alguma, muito menos hollywoodesca
poderá ser abençoada sem a minha presença. Eu sim, sou o verdadeiro símbolo
perfeito do Amor, Pureza, Fertilidade e Prosperidade.
- Vamos,
vamos rapazes, repetiu insistentemente a pavoa, já na bateria superior do
farol. Olhem, vejo ali em baixo a chuppah,
tão linda, cheia de flores…
- Mas não é aqui
no farol de Santa Marta! Disseram em uníssono os dois pavões.
- É aqui ao
lado do farol, no hotel com o mesmo nome!
Lá em baixo
o azul do céu límpido unira-se ao azul do mar calmo, parecendo que todos os
deuses conspiravam num cenário de sonho.
- E agora?
Como vamos nós atravessar essas rochas? Dizia o pavão branco.
- Não quero
sujar nem molhar o meu traje branco! Voltemos para trás.
- Rápido.
Disse a pavoa. – Há um portão do lado da rua, em frente ao portão de Santa
Maria, que dá para o hotel.
E lá foram
eles, atravessando todo o farol, em passo acelerado, sob os olhares intrigados
de quem a tudo isso assistia: transeuntes, turistas, convidados para a boda,
jornalistas… até o segurança rechonchudo e de cabelos brancos de Santa Maria, não
entendia onde desejava ir tão peculiar grupo.
A pavoa
parecia ter assumido o comando:
- Já os vejo…
que linda vai a noiva no seu maravilhoso vestido caicai branco, acompanhada
pelo seu pai.
- Lindíssima
e de branco, como eu! Retorquiu inchado de vaidade o pavão branco. Eu é que
acompanho Hera e abençoo casamentos!
- É pena o
bouquet… desdenhou ciumenta a pavoa. – Tão singelo… tinha falado comigo e
tinha-lhe colhido umas lindas flores em Santa Maria. Mas logo a sua atenção se
desviou da noiva para…
- Esperem lá…
aquele não é o Eric? Tenho de lhe pedir um autógrafo, rapazes!
- Está doida
a galinha tonta! Dizia o pavão das cores exuberantes. – Calem-se, deixem-me
ouvir o que diz o noivo aos jornalistas… Ah, percebi… “que agora tem de os
deixar porque tem de ir casar-se.”
Lá dentro,
ouviam-se os primeiros acordes de All of
me de John Legend e tudo parecia feito de sonho.
Ouviam-se
suspiros e a pavoa sussurrava:
- Olhem os
convidados, isto parece a passadeira das vaidades. Foi feita para nós, vamos!
- Então
vamos. Disseram os pavões. – Nós primeiro, “onde canta pavão, não canta pavoa.”
- Não é
pavão nem pavoa, corrigiu a pavoa de penas marrons, é galo e galinha e esse
dito ridículo e machista não consta da minha lista de provérbios.
Assim
discutiam quando irrompeu à sua frente um dos seguranças do hotel.
- Xo, xo,
vão-se lá embora de volta para o parque, ninguém vos convidou! Ou melhor, deixem
lá a Chuppah e vão antes comer as
flores de Santa Maria. Xo, xo…
19-09-2014