Reunidos dentro do farol, sentados na sua base quadrangular, com as perninhas à chinês, Ana aguardou que somente se ouvisse o silêncio dos olhos
esbugalhados dos gaiatos imersos na curiosidade. Lá fora, apenas o murmurar
das ondas beijando as rochas acariciavam o farol.
Era uma vez um jovem rapazinho, cujo pai era faroleiro no Farol de Santa
Marta.
Em tempos idos, em que a luz do farol ainda funcionava a azeite, o faroleiro
Ezequiel vivia com o seu filho pequeno, numa humilde casinha, mesmo ao
lado do farol.
Era um trabalho bastante solitário, tal como solitárias eram também as
brincadeiras do jovem rapazinho.
Um dia, estava o pequeno a atirar pequenas rochas, conchas e conchinhas
ao mar, quando de súbito, avistou um golfinho que parecia nadar em sua direcção.
Parecia querer chamar a atenção do petiz, pois saltava e nadava alegremente em
círculos. Então o menino, sem medo, nadou até o animal e, gradualmente, foi
ganhando a sua confiança. Até que o golfinho parou... foi então que o menino aproveitou para
saltar para o seu dorso.
Juntos nadaram nas águas azuis-esverdeadas do oceano, e cortando as ondas
passaram rente às pequenas embarcações dos pescadores, até que chegaram ao
Farol da Guia.
Já o sol se deitara sobre o Atlântico, quando regressaram ao Farol de
Santa Marta.
O menino agradeceu ao golfinho pela encantadora tarde e prometeu-lhe regressar
todos os dias, enquanto estivesse de férias.
Porém, um desses dias, o menino adoeceu e teve de permanecer em casa,
durante bastante tempo.
O golfinho não se esquecera do menino e insistentemente regressava ao
local combinado, na esperança de encontrar o seu pequeno amigo humano. Mas o
menino não aparecia…
Então o golfinho adoeceu e desatou a definhar… quase moribundo, nadou
sem forças até ao farol, como se da última vez se tratasse, esperando ver o seu
companheiro de aventuras…
Felizmente, o menino recuperou e nesse mesmo dia pediu ao pai, o
faroleiro Ezequiel, que o deixasse brincar lá fora junto ao mar.
Quando o menino avistou o golfinho e se apercebeu que este nadava com
grande dificuldade, precipitou-se ainda meio vestido para as ondas, nadando o mais
depressa que podia em direcção ao seu amigo marinho. Logo o abraçou ternamente,
prometendo dele cuidar. Quando o sal das suas lágrimas se confundiram com o da
água do oceano, Tétis, a deusa do mar, compadeceu-se com o amor do rapazinho
por um dos seus golfinhos.
Do alto do Farol de Santa Marta, Ezequiel o faroleiro pareceu avistar
um menino no dorso de um lindo e alegre golfinho cinzento prateado nadando em
direcção ao infinito.
Julho 2014 / Ana Paula Fogaça