Este pequeno conto foi em 2011, dedicado aos meninos da Educadora Carla,
da Escola Nossa Senhora de Assunção de Cascais.
Decorridos três anos, dedico-o também às minhas queridas colegas do
Farol de Santa Marta, em homenagem aos dias felizes que por lá vivi.
Embora tivesse nascido em Cascais, o Salvador nunca antes vira um farol.
Tinha sido criado, e vivia ainda em Alcabideche, terra dos moinhos do
poeta árabe Ibn Mucana, quando um dia, na escola, a sua professora anunciara
aos meninos da sua turma do 2º ano, uma visita muito especial: iam ao farol
mais emblemático de Cascais! Sim, esse mesmo, o Farol de Santa Marta!
Na sala de aula, reinava a excitação, e enquanto a professora Elisabete
falava, Salvador já não a ouvia… fantasiava como seria esse farol, de que
forma, de que cor… ouvira dizer que era alto. Hum… certamente não tão alto como
os moinhos que se habituara a ver da janela do seu quarto, tendo como pano de
fundo os contornos da serra - pensou.
Quem viveria nele? Que histórias teria esse farol para contar? O avô
Manel, dizia sempre, que faróis eram como “vigilantes
da noite, sentinelas do mar”: manhãs de nevoeiro, noites de tempestade,
navios em apuros, naufrágios que não chegaram a acontecer, horas de solidão,
sou comandante, sou capitão, sou pirata espanhol num galeão à deriva? Não, sou
apenas faroleiro num farol encantado, preso nas ondas de um mar salgado.
Assim velejava o pensamento de Salvador, ligeiro como um barco de velas
pandas, desses que vemos ao largo da baía de Cascais em tardes de Estio e vento, quando subitamente, é arrancado do seu sonho, pela voz da professora Elisabete:
- Percebeste, Salvador, as regras de bom comportamento dentro de um
museu?
- Museu?! - perguntou admirado Salvador. Para que está a professora a
falar de um museu?! Não íamos a um farol? - Interrogou-se Salvador.
Eis chegado o grande dia! Um dia, que amanheceu cedo, bem cedinho, e com
ele, os primeiros raios de sol, atravessaram o vidro da janela do quarto de
Salvador, despertando-o do seu sonho.
De pequenos olhos castanhos, brilhantes de curiosa avidez, volta
a perguntar-se, como será esse farol…
Estão já reunidos todos os meninos do 1º e do 2º ano; os do 3º e 4º ano
iriam num outro dia. Aos pares, em fila, à entrada do autocarro, lá iam,
subindo ritmadamente os degraus daquele, sob estreita vigilância das educadoras.
- Bom dia, Sr. motorista! - Diziam bem alto, mal avistavam a habitual
figura nessas andanças dos passeios escolares que fazia as delícias da
pequenada - era Carlos, o motorista!
Depois de devidamente acomodados, sem esquecer as normas de segurança,
os gaiatos despediam-se dos seus pais que permaneciam teimosamente, coração na
boca, sem despregarem os olhos do autocarro… este, ia ficando cada vez mais
pequeno, até ser totalmente engolido pelo horizonte.
Na lembrança recente dos pais, ficavam pequenitos braços que se
agitavam, pequenitas mãos que se despediam alegremente em múltiplos acenos e
beijos compartidos e atirados através dos vidros das janelas do autocarro. Sorrisos
e gargalhadas largas, estampadas em rostos que não cabiam em si de felicidade.
A viagem não demoraria mais do que 20 minutos, tempo mais do que
suficiente para os miúdos alegrarem ainda mais a manhã de Carlos, o motorista.
- 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 - Viva a professora Elisabete!
- Olhem, olhem meninos, estamos a chegar à Boca do Inferno! – Dizia a
professora Elisabete.
- Que mar tão bonito! - Exclamaram quase todos em uníssono.
Alguns metros mais, e eis que surgia como num postal desenhado, num
esporão rochoso, vigilante entre palmeiras e o mar azul esverdeado, o Farol de
Santa Marta.
De corpo robusto prismático, numa torre quadrangular de alvenaria
branca, revestida a azulejos, com as suas duas faixas azuis inconfundíveis,
elevando-se a 20 metros, quase tocando o azul do céu com a sua lanterna
vermelha.
O deslumbramento rapidamente se apodera de Salvador e dos seus colegas.
Todos gritaram a uma só voz, entre ruidosas palmas: - Viva o Farol de Santa
Marta!
Cascais, 2011