terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Lisboa

Ao meu marido, que embora espanhol tem muito da alma Lusa, e aos meus queridos seguidores/leitores de «habla española»: 

Lisboa

Si una gaviota pudiera escribir en el cielo  ¿qué escribiría ella?
Has sido la capital del imperio,
Donde apartaron las carabelas en dirección a lo desconocido.
Has sido morisca y ahora cristiana.

Sobreviviste al terremoto y al dominio Filipino,
Aunque mantengas el Muelle de las Columnas en la Plaza del Comercio,
cuyos dedos abrazan el río.
El mismo río que ves cada mañana bajo tu ventana.

Te gusta ver cruzar los barcos hasta el otro lado,
sus puentes y la gente ocupada.
Te gusta  vestirte de color azul como tu cielo y río,

Luces cabello largo y negro como las golondrinas de tu tierra,
una rosa en tu pecho cuando cantas el Fado,
y un chal negro sobre tu espalda para calentar tu tristeza.  

Sin embargo, te gusta desfilar hermosa en las calles, callejones y avenidas,
llevas en tu pelo el olor del mar, de los clavos y de la albahaca.
La gaviota si pudiera escribiría tu nombre: LISBOA!

24-11-2014

domingo, 16 de novembro de 2014

Sura (bebida tradicional Moçambicana)




Homem a recolher líquido para fazer sura (bebida fermentada da seiva da palmeira, de teor alcoólico).
Fotos gentilmente cedidas por Yazald Chavana Chavana.

19-10-2014

Mousse de chocolate com coco

Aos meus adorados primos, pela inesquecível infância dourada.
Que os nossos destinos permaneçam entrelaçados para sempre.

Paulinha não tinha irmãos de pai e mãe, mas tinha irmãos de coração. E o pai destes, era também, de alguma forma, seu pai.

Tio Câmara, era uma figura carismática, aprumadamente enquadrado na paisagem de então. Dele, Paulinha recordava-se bem das vestes a lembrarem tempos coloniais, sempre muito elegante e perfumado. Apesar das tradicionais cabedulas[i], balalaica[ii] e meias altas, tudo rigorosamente engomado, ostentava sempre um elegante e colorido lenço ao pescoço (um foulard masculino) que lhe dava um toque very dandy. Toda esta mise en scéne sob um sol tórrido com elevado grau de humidade.

Não só tio Câmara era grande, forte e alto, como grande era também o seu carro, o inconfundível Mercedes-Benz [Paulinha, não se recordava da cor] com a sua enorme roda, a fazer de volante.

Sentada, em cima dos joelhos do seu adorado tio, Paulinha, nem por isso chegava aos pedais da majestosa viatura, mas sob orientação daquele, girava a gigante roda, conferindo-lhe a falsa sensação de conduzir os caminhos do seu próprio destino.

- O que querem, hoje, tomar os meninos? – Dizia tio Câmara com a sua voz de tenor [na realidade, a voz era um dos seus múltiplos atributos].

- Mousse de chocolate! – Dissera prontamente Paulinha.

- Coca-cola! – Disseram em uníssono os primos Octávio e Filomena.

- Pois mousse de chocolate, seja! – Assegurava tio Câmara. – Vamos ao Chuabo!

Fosse qual fosse a resposta, Chuabo, ou lá como se chamava o snack-bar, seria sempre a resposta dos milhões.

Como esquecer, o mais moderno e emblemático café-snack-bar da Zambézia? Aquele que pertencia ao grande Hotel Chuabo de Quelimane… ao lado do não menos emblemático, prédio do Monteiro & Giro, de sete andares?! Recorde-se que estávamos no início dos anos 70, algures no coração da Zambézia… não, não era mato, era a cidade de Quelimane, a cidade de Paulinha, nos seus tempos áureos.

O café Chuabo era um dos locais predilectos do tio Câmara, pois constituía a oportunidade de rever e confraternizar com os seus amigos Bôeres (Sul-Africanos), também estes “fardados” com calções e camisas de caqui, imaculadamente engomados e meias altas.

Partilhavam os mesmos gostos, como a caça grossa, a aviação, o whisky on the rocks ou com soda…

- Hello Johnny, my friend! – Dizia tio Câmara a um dos seus amigos…

É verdade, algures num local recôndito da África oriental, mais precisamente em Moçambique, algures no coração da Zambézia, em Quelimane, terra de Paulinha, encontrava-se um dos mais luxuosos cafés dos anos setenta, com ar condicionado (nada de ventoinhas no tecto à boa maneira colonial), pasme-se – luzes verdes néon! whisky do bom (só este tinha direito de admissão), e a mais maravilhosa mousse de chocolate com coco que Paulinha alguma vez experimentara…

Não, não era o café Chuabo do Hotel Chuabo, era apenas o paraíso na terra, a avaliar pelo calor insuportável que se fazia sentir lá fora. (continua)


Novembro, 2014.




[i] Calções
[ii] Camisa masculina, larga de tecido fresco, com vários bolsos.



sábado, 18 de outubro de 2014

Felicidade


“Está a chover, está a pingar
e a raposa no quintal
a apanhar as laranjinhas
para o dia de Natal!”

Assim lengalava, que é como quem diz, cantava a lenga-lenga, Paulinha com os seus amiguinhos cor de ébano, todos descalços, em dias de chuva.

No quintal de D. Isabel, juntamente com as primeiras chuvas, era presságio que o Natal se aproximava a passos largos.

Donde viria essa cantilena infantil? A raposa não é um animal frequente em África… à excepção talvez, da raposa-do-Cabo… seria das fábulas de La Fontaine?

Yazald, por favor, traz-me de volta a minha infância perdida,
Traz-me de volta esses pingos grossos e cálidos de chuva
da minha Terra, beijando-me o rosto.

Ajuda-me a largar estas galochas que agora trago,
Quero voltar a sentir o cheiro da terra molhada e fértil,
Quero voltar a sentir o prazer de pular e brincar descalça à chuva,
Essa chuva abençoada,
Com as crianças da minha Terra, minhas irmãs, quer seus pais hasteiem a bandeira da Frelimo ou da Renamo… o que lhes importa?

Se a chuva quando cai, cai de igual modo em todos aqueles inocentes rostos…
Só em mim, ela cai gelada e despida de esperança.
Quero voltar a senti-la,

Quero voltar a ser criança e feliz!
Quero com essas crianças festejar a alegria da Paz, um dia!
Yazald, por favor, que boas novas me contas da minha amada Terra?

Cascais, 18 de Outubro de 2014.
Fotografia gentilmente cedida pelo baterista da banda do meu amigo e patrício Yazald.



sábado, 11 de outubro de 2014

O pequeno faroleiro e o grão de ervilha

Porque o prometido é devido, este pequeno conto é inspirado no conto “A princesa e a ervilha”, que tanto fascina a minha amiga do Farol de Santa Marta, Ana Cristina – Princesa Ervilha é para ti…

Salvador lá desceu em passos pequeninos, os degraus do farol, e juntara-se ao grupo de colegas que o acompanhava.

Ao passarem por uma das casas, outrora uma das modestas residências dos faroleiros de Santa Marta, Ana lembrou-se de uma pequena horta que lá havia e prontamente perguntou:

- Quem daqui gosta de sopa de ervilhas?

Foram poucos os que puseram o dedinho no ar, incluindo Salvador, o qual, ladino como sempre, fazendo cara feia, ripostou:

- Eu não!

- Pois eu vou contar-vos uma história, continuou Ana, sobre um grão de ervilha!

Antigamente, quando viviam aqui faroleiros, no tempo do faroleiro Ezequiel e do seu pequeno filho, lembram-se? Era costume utilizar-se este espaço para uma pequena horta.

Além de criarem animais, como patos e galinhas, para consumo próprio, cultivavam batatas, cenouras, alfaces, feijões e ervilhas.

Sabem que os grãos de ervilha são muito docinhos e excelentes para sopas e guisados.

Tal como o Salvador, também o filho do faroleiro Ezequiel, não era lá muito amigo de ervilhas…

Ezequiel passava muitas noites escuras em claro, sobretudo aquelas mais invernias e chuvosas, de vigia bem no alto do seu farol avisando com a sua luz, os barcos, navios e demais embarcações da proximidade das rochas.

Por isso, tinha como companheiro, além do seu fiel cachimbo, o seu termo de café bem quentinho que fazia com que tivesse um sono mais leve.

Mas o seu aprendiz de faroleiro preferido era ainda demasiado jovem para tomar café! Ezequiel lembrou-se então do que lhe fizera o seu pai e antes, o avô Malaquias a seu pai…

Foi até à horta de casa e arrancou uma vagem de ervilhas, lavando-as bem lavadinhas. Pegou num grão de ervilha e dirigindo-se a seu filho, disse-lhe:

- Antes de te deitares, coloca este grão de ervilha debaixo do colchão. O rapaz assim fez.

Na manhã seguinte, mal os primeiros raios de sol acordavam o oceano que se mostrava ainda cansado da noite anterior, Ezequiel perguntou-lhe:

- Dormiste bem, meu rapaz? Ao que o pequeno faroleiro lhe respondera:

- Não, meu pai! A verdade é que não consegui pregar olho toda a noite. Sempre que tentava mudar de posição, sentia o grão de ervilha debaixo do colchão e não conseguia dormir um sono descansado.

Ezequiel, sorrindo, adiantou:

- Então és um verdadeiro faroleiro, meu rapaz! Sabes, apenas os faroleiros de verdade conseguem sentir um tão pequeno grão de ervilha debaixo do colchão. Nas noites de tormenta, temos de nos manter alertas e vigilantes… então, colocamos um grão de ervilha debaixo do colchão. Agora sei que serás um bom faroleiro, como eu!


Outubro, 2014.





sábado, 20 de setembro de 2014

Os pavões de Santa Maria

Era um final de tarde agradável de calor ameno que se fazia sentir no Parque de Cascais. Ainda sequer eram 18:00 (de Verão o Parque encerra as suas portas mais tarde), ecoavam ainda pelos jardins e balouços os gritos felizes e barulhentos dos meninos, quando surgem três pavões engalanados, em fila, caminhando em direcção ao portão que dá para a Casa de Santa Maria, esta sobranceira ao mar, também calmo nessa amena tarde.

- Vamos, vamos que chegamos tarde! Dizia a pavoa.

- Calma, não há curso de português hoje em Santa Maria. Retorquiam os outros dois pavões.

- Mas não quero perder nada da cerimónia que está prevista para as 18:15… continuava a pavoa.

- Ora, achas que te deixam entrar a ti? Toda desajeitada e atarracada, com essas penas horrorosas marrons? Disse o pavão de plumagem exuberante, logo aproveitando para abrir o seu majestoso leque. E continuou:

- A mim, sim, vão deixar-me entrar no farol. Sou magnificente, símbolo de imortalidade. Certamente vão querer ter-me por perto aquando da cerimónia. Eu que acompanho a deusa olímpica, ficarei bem perto da Daniela.

- Cala-te! Retorquiu irritada a pavoa.

- Gabas tanto essa cauda e esqueces-te a quem deves esses olhos! Pobre Argus, pobre Io… Não, não creio que sejas um bom presságio para a boda. Morte e ciúme não combinam com Amor e Pureza!

- Pois não! Concordo plenamente. Insurgiu-se o pavão branco e logo retorquiu altivo:

- Esperem por mim. Boda alguma, muito menos hollywoodesca poderá ser abençoada sem a minha presença. Eu sim, sou o verdadeiro símbolo perfeito do Amor, Pureza, Fertilidade e Prosperidade.
  
- Vamos, vamos rapazes, repetiu insistentemente a pavoa, já na bateria superior do farol. Olhem, vejo ali em baixo a chuppah, tão linda, cheia de flores…

- Mas não é aqui no farol de Santa Marta! Disseram em uníssono os dois pavões.

- É aqui ao lado do farol, no hotel com o mesmo nome!

Lá em baixo o azul do céu límpido unira-se ao azul do mar calmo, parecendo que todos os deuses conspiravam num cenário de sonho.

- E agora? Como vamos nós atravessar essas rochas? Dizia o pavão branco.

- Não quero sujar nem molhar o meu traje branco! Voltemos para trás.

- Rápido. Disse a pavoa. – Há um portão do lado da rua, em frente ao portão de Santa Maria, que dá para o hotel.

E lá foram eles, atravessando todo o farol, em passo acelerado, sob os olhares intrigados de quem a tudo isso assistia: transeuntes, turistas, convidados para a boda, jornalistas… até o segurança rechonchudo e de cabelos brancos de Santa Maria, não entendia onde desejava ir tão peculiar grupo.

A pavoa parecia ter assumido o comando:

- Já os vejo… que linda vai a noiva no seu maravilhoso vestido caicai branco, acompanhada pelo seu pai.

- Lindíssima e de branco, como eu! Retorquiu inchado de vaidade o pavão branco. Eu é que acompanho Hera e abençoo casamentos!

- É pena o bouquet… desdenhou ciumenta a pavoa. – Tão singelo… tinha falado comigo e tinha-lhe colhido umas lindas flores em Santa Maria. Mas logo a sua atenção se desviou da noiva para…

- Esperem lá… aquele não é o Eric? Tenho de lhe pedir um autógrafo, rapazes!

- Está doida a galinha tonta! Dizia o pavão das cores exuberantes. – Calem-se, deixem-me ouvir o que diz o noivo aos jornalistas… Ah, percebi… “que agora tem de os deixar porque tem de ir casar-se.”

Lá dentro, ouviam-se os primeiros acordes de All of me de John Legend e tudo parecia feito de sonho.

Ouviam-se suspiros e a pavoa sussurrava:

- Olhem os convidados, isto parece a passadeira das vaidades. Foi feita para nós, vamos!

- Então vamos. Disseram os pavões. – Nós primeiro, “onde canta pavão, não canta pavoa.”

- Não é pavão nem pavoa, corrigiu a pavoa de penas marrons, é galo e galinha e esse dito ridículo e machista não consta da minha lista de provérbios.

Assim discutiam quando irrompeu à sua frente um dos seguranças do hotel.

- Xo, xo, vão-se lá embora de volta para o parque, ninguém vos convidou! Ou melhor, deixem lá a Chuppah e vão antes comer as flores de Santa Maria. Xo, xo…

19-09-2014






sábado, 13 de setembro de 2014

O meu soldadinho de chumbo

Paulinha gostava particularmente d’O Capuchinho Vermelho e d’O Soldadinho de Chumbo.

Embora o primeiro conto a acompanhasse durante toda a sua vida, o segundo, ficaria escondido, como que soterrado num baú de memórias ainda por abrir.

Era uma manhã de sábado, como tantas outras, com a diferença de terem decorrido mais de quarenta anos. À mesa do pequeno-almoço (para os conterrâneos de Paulinha, matabicho), ouvia enternecida as descobertas do seu pequeno homenzinho (como gostava de lhe chamar) de 8 anos, o seu geniozinho, não da lâmpada (esta estava agora ultrapassada) mas da informática.

- Sabes quais são os contos que mais gosto, mãe? Perguntara-lhe convicto do que iria afirmar.

- Não!

- São: Os 3 Irmãos e o Soldadinho de Chumbo.

- Porquê?

- Os 3 Irmãos (entretanto contara-lhe a história) porque nos conta uma lição!

- Ah, queres dizer uma moralidade: “Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti.” – Acrescentou.

- E o Soldadinho de Chumbo, meu amor, porquê? Perguntara-lhe, num misto de ternura e curiosidade.

- Por isso mesmo que disseste, “meu amor”, porque é uma história muito bonita de Amor!

Meu Deus, há quantos anos que não ouvira falar n’O Soldadinho de Chumbo… caíra em desuso? O Romeu & Julieta infantil… a sua primeira abordagem ao romantismo… Paulinha, contadora de histórias experiente (ou não fosse mãe pela segunda vez) ainda tentou, em vão, buscar no seu baú de histórias, mas não encontrou o soldadinho…

- Queres contar-me? Murmurou hesitante.

- Não sabes?

- Desculpa, não me lembro dela.

Então, por palavras próprias de um rapazinho de 8 anos, expressando-se numa linguagem coordenativa, lá foi desdobrando o novelo com as peripécias de um soldadinho de brinquedo, que se apaixonara por uma boneca bailarina, os quais ganhavam vida a partir da meia-noite!

E, no final remataria:

- Nas cinzas encontraram um coração de chumbo!

Agora sim, Paulinha recordara-se de uma das histórias mais tocantes da sua infância: à memória chegara-lhe a imagem de um soldadinho de chumbo navegando dentro de um barco de papel… a imagem de um coraçãozinho de chumbo, resultado da fusão do soldadinho brinquedo com a boneca bailarina.

Enquanto os fios da memória se articulavam, os seus olhos humedeciam. Ainda os tentou esconder do filho, dizendo-lhe: - Mas e afinal, qual é a lição deste conto?

- Não sei, mãe. Não percebi.

- Eu ajudo: o Amor tudo vence, mesmo o fogo; o Amor é Uno e indivisível.

- Queres dizer que o soldadinho e a bailarina, ficaram um só?

- Sim, é isso mesmo, unidos para sempre.

- Mãe, também não percebo porque estás a chorar?

- Eu também não! És um fantástico contador de histórias, mas se calhar, será melhor dedicares-te antes à informática… - Dissera-lhe enquanto o abraçava.

- Porquê?

- Para não chorares, nem fazeres chorar os outros.

- Não percebo…


13-09-2014





segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Parece ter ido tudo de férias...

Parece ter ido tudo de férias... a começar pelo calor irregular, fraco e insípido deste inconstante agosto. "- Mãe, agosto é com "a" minúsculo, porque tens vários agostos!!" diz-me o pequenito! mas realmente, apesar de gostar de conservar as maiúsculas dos meses do ano, o agosto do presente 2014 deixa muito a desejar! e portanto, (ainda que o "novo acordo ortográfico", preveja que possamos escrever com letra maiúscula, sempre que pretendemos enfatizar positivamente algo, tal não é o caso!) escreverei assim com letra minúscula, em sintonia!

O país (também com letra pequena, de acordo com a pequenez do momento) parece ter ido de férias: as suas gentes, a honestidade e honradez daqueles que comandam o seu destino político, económico e financeiro, timoneiros de um barco cada vez mais à deriva, (infelizmente, há vários anos) tal como os meus sentimentos, neste pequenino mês de agosto!
Fazia-nos falta outro Infante D. Henrique!

Tenho saudades dos Verões quentes; da minha filha que não está comigo; das minhas amigas do antes e do depois; sinto saudades dos meus alunos que regressaram aos seus países de origem; saudades tenho das minhas colegas de curso, e das outras; sinto falta da bondade e doçura incondicionais da minha avó; fazem-me falta as histórias mitológicas que o meu pai me contava, da sua inteligência, da sua genialidade fora de época... afinal, nós portugueses temos saudades de tudo, do que passou e daquilo que ainda há-de vir... 

Parece ter ido tudo de férias... algumas delas, para não mais voltar, tal como os jovens (alguns emigraram, outros entretidos com os inúmeros festivais que pululam em agosto, neste jardim à beira-mar plantado)... por falar em jardim... até as flores parecem ter ido de férias... está em minha casa, de férias forçadas a minha mãe (à pala de umas obras inevitáveis) e aparentemente ninguém se lembra de regar as plantas que deixou para trás; coitadas, agarradas à terra de um jardim comum (era ela quem as regava!)... salvaram-se alguns vasos que pode trazer! Foi de férias a solidariedade, o bom senso... Ó triste país, se não és capaz de salvar algumas flores, se não consegues salvar os indefesos animais abandonados neste agosto cruel, como serás tu capaz de salvar as tuas crianças e jovens? Como conseguirás tu salvar os teus monumentos abandonados? 

Parece ter ido tudo de férias: a cultura, as letras, o amor ao próximo, os valores mais básicos, a crença num país melhor... estou triste, sinto-me triste com a incompreensão de quem não entende que desemprego não é uma opção de vida! é antes, uma moléstia que nos consome lentamente, até que mata, pelo menos a alma.

Não consigo escrever com sombras no coração, perdoem-me quem segue este blog... por isso, a "Paulinha", o "Salvador", as fadas e princesas, parecem ter ido de férias! Golfinhos, faróis e faroleiros, parecem ter sido engolidos pela pequenez deste agosto.

Parece ter ido tudo de férias, incluindo a inspiração e a alegria de escrever (só consigo escrever quando estou feliz); só não foi de férias a mágoa que cobre a minha alma. 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

O golfinho e o filho do faroleiro

Reunidos dentro do farol, sentados na sua base quadrangular, com as perninhas à chinês, Ana aguardou que somente se ouvisse o silêncio dos olhos esbugalhados dos gaiatos imersos na curiosidade. Lá fora, apenas o murmurar das ondas beijando as rochas acariciavam o farol.

Era uma vez um jovem rapazinho, cujo pai era faroleiro no Farol de Santa Marta.

Em tempos idos, em que a luz do farol ainda funcionava a azeite, o faroleiro Ezequiel vivia com o seu filho pequeno, numa humilde casinha, mesmo ao lado do farol.

Era um trabalho bastante solitário, tal como solitárias eram também as brincadeiras do jovem rapazinho.

Um dia, estava o pequeno a atirar pequenas rochas, conchas e conchinhas ao mar, quando de súbito, avistou um golfinho que parecia nadar em sua direcção. Parecia querer chamar a atenção do petiz, pois saltava e nadava alegremente em círculos. Então o menino, sem medo, nadou até o animal e, gradualmente, foi ganhando a sua confiança. Até que o golfinho parou... foi então que o menino aproveitou para saltar para o seu dorso.

Juntos nadaram nas águas azuis-esverdeadas do oceano, e cortando as ondas passaram rente às pequenas embarcações dos pescadores, até que chegaram ao Farol da Guia.

Já o sol se deitara sobre o Atlântico, quando regressaram ao Farol de Santa Marta.

O menino agradeceu ao golfinho pela encantadora tarde e prometeu-lhe regressar todos os dias, enquanto estivesse de férias.

Porém, um desses dias, o menino adoeceu e teve de permanecer em casa, durante bastante tempo.

O golfinho não se esquecera do menino e insistentemente regressava ao local combinado, na esperança de encontrar o seu pequeno amigo humano. Mas o menino não aparecia…

Então o golfinho adoeceu e desatou a definhar… quase moribundo, nadou sem forças até ao farol, como se da última vez se tratasse, esperando ver o seu companheiro de aventuras…

Felizmente, o menino recuperou e nesse mesmo dia pediu ao pai, o faroleiro Ezequiel, que o deixasse brincar lá fora junto ao mar.

Quando o menino avistou o golfinho e se apercebeu que este nadava com grande dificuldade, precipitou-se ainda meio vestido para as ondas, nadando o mais depressa que podia em direcção ao seu amigo marinho. Logo o abraçou ternamente, prometendo dele cuidar. Quando o sal das suas lágrimas se confundiram com o da água do oceano, Tétis, a deusa do mar, compadeceu-se com o amor do rapazinho por um dos seus golfinhos.

Do alto do Farol de Santa Marta, Ezequiel o faroleiro pareceu avistar um menino no dorso de um lindo e alegre golfinho cinzento prateado nadando em direcção ao infinito.

Julho 2014 / Ana Paula Fogaça


segunda-feira, 14 de julho de 2014

A viagem ao Farol de Santa Marta continua…

Uma vez chegados ao farol mais emblemático de Cascais, aguardava-os Ana, a monitora museológica.

- Sejam bem-vindos ao Farol-Museu de Santa Marta! - Disse Ana, que os recebera na antiga bateria inferior.

Muito ordeiramente, par a par, lá foram em fila indiana conhecer o primeiro núcleo museológico, dedicado aos faróis portugueses. Num misto de tecnologia e História, Ana, lá ia explicando, perante as bocas abertas dos gaiatos, o que eram as lentes de Fresnel. Mereceu especial destaque, o painel do aparelho óptico central que estivera no Farol das Berlengas, com os seus 3,70m de altura. Quando Ana se colocou por trás da gigantesca lente, e os petizes viram a imagem da monitora aumentada, foi grande a gargalhada geral. Talvez tivesse sido esse o momento mais marcante, recordara mais tarde Salvador.

Seguidamente, passaram ao segundo núcleo museológico, dedicado à passagem de Santa Marta, através dos tempos, de forte a farol, até museu, mais recentemente.

Salvador bebia com muita atenção tudo o que Ana dizia sobre o antigo ofício de faroleiro: os instrumentos que se usara, o registo minucioso no seu diário das ocorrências, quer em dias de nevoeiro, como em noites iluminadas pelo brilho das estrelas.

Então, já sabem para que servem os faróis? - Perguntara-lhes Ana, despertando-lhes o interesse. - Quem acende e desliga a luz do farol? 
Sabem, os núcleos museológicos eram antigamente, as casas das famílias de faroleiros que por cá viviam.

Finalmente, subiram à bateria superior e daí puderam ver desenhado entre o mar e a marina, o farol mais bonito de Cascais.

- Tão alto! - Dizia Salvador, tentando avistar a lanterna vermelha do farol.

- Pois é Salvador, é alto, são quase vinte Salvadores empoleirados uns nos outros… dizia Ana, e prosseguia conduzindo o grupo que se precipitava para a porta do farol. E continuava: - Querem subir lá acima? Tenho tanto ainda para vos contar… mas agora, vamos subir, devagar e com cuidado, por favor… venham!

A vista lá em cima era tão deslumbrante, tão deslumbrante, que Salvador, já não via somente o que via… no varandim vermelho do farol, olhava no horizonte, onde o azul do mar se encontra e se confunde com o azul do céu, a linha arredondada da terra e sonhava… mas Ana, tal como a professora Elisabete, tantas vezes fizera na sala de aula, colhera-lhe os pensamentos e fazia-o regressar…

 - Salvador, vem, desce, vamos agora escutar uma história, queres?

(continua)

Julho, 2014.







quinta-feira, 10 de julho de 2014

Viagem ao Farol de Santa Marta

Este pequeno conto foi em 2011, dedicado aos meninos da Educadora Carla, da Escola Nossa Senhora de Assunção de Cascais.

Decorridos três anos, dedico-o também às minhas queridas colegas do Farol de Santa Marta, em homenagem aos dias felizes que por lá vivi.

Embora tivesse nascido em Cascais, o Salvador nunca antes vira um farol.
Tinha sido criado, e vivia ainda em Alcabideche, terra dos moinhos do poeta árabe Ibn Mucana, quando um dia, na escola, a sua professora anunciara aos meninos da sua turma do 2º ano, uma visita muito especial: iam ao farol mais emblemático de Cascais! Sim, esse mesmo, o Farol de Santa Marta!

Na sala de aula, reinava a excitação, e enquanto a professora Elisabete falava, Salvador já não a ouvia… fantasiava como seria esse farol, de que forma, de que cor… ouvira dizer que era alto. Hum… certamente não tão alto como os moinhos que se habituara a ver da janela do seu quarto, tendo como pano de fundo os contornos da serra - pensou.

Quem viveria nele? Que histórias teria esse farol para contar? O avô Manel, dizia sempre, que faróis eram como “vigilantes da noite, sentinelas do mar”: manhãs de nevoeiro, noites de tempestade, navios em apuros, naufrágios que não chegaram a acontecer, horas de solidão, sou comandante, sou capitão, sou pirata espanhol num galeão à deriva? Não, sou apenas faroleiro num farol encantado, preso nas ondas de um mar salgado.

Assim velejava o pensamento de Salvador, ligeiro como um barco de velas pandas, desses que vemos ao largo da baía de Cascais em tardes de Estio e vento, quando subitamente, é arrancado do seu sonho, pela voz da professora Elisabete:

- Percebeste, Salvador, as regras de bom comportamento dentro de um museu?

- Museu?! - perguntou admirado Salvador. Para que está a professora a falar de um museu?! Não íamos a um farol? - Interrogou-se Salvador.

Eis chegado o grande dia! Um dia, que amanheceu cedo, bem cedinho, e com ele, os primeiros raios de sol, atravessaram o vidro da janela do quarto de Salvador, despertando-o do seu sonho.

De pequenos olhos castanhos, brilhantes de curiosa avidez, volta a perguntar-se, como será esse farol…

Estão já reunidos todos os meninos do 1º e do 2º ano; os do 3º e 4º ano iriam num outro dia. Aos pares, em fila, à entrada do autocarro, lá iam, subindo ritmadamente os degraus daquele, sob estreita vigilância das educadoras.

- Bom dia, Sr. motorista! - Diziam bem alto, mal avistavam a habitual figura nessas andanças dos passeios escolares que fazia as delícias da pequenada - era Carlos, o motorista!

Depois de devidamente acomodados, sem esquecer as normas de segurança, os gaiatos despediam-se dos seus pais que permaneciam teimosamente, coração na boca, sem despregarem os olhos do autocarro… este, ia ficando cada vez mais pequeno, até ser totalmente engolido pelo horizonte.

Na lembrança recente dos pais, ficavam pequenitos braços que se agitavam, pequenitas mãos que se despediam alegremente em múltiplos acenos e beijos compartidos e atirados através dos vidros das janelas do autocarro. Sorrisos e gargalhadas largas, estampadas em rostos que não cabiam em si de felicidade.

A viagem não demoraria mais do que 20 minutos, tempo mais do que suficiente para os miúdos alegrarem ainda mais a manhã de Carlos, o motorista.

- 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 - Viva a professora Elisabete!

- Olhem, olhem meninos, estamos a chegar à Boca do Inferno! – Dizia a professora Elisabete.

- Que mar tão bonito! - Exclamaram quase todos em uníssono.

Alguns metros mais, e eis que surgia como num postal desenhado, num esporão rochoso, vigilante entre palmeiras e o mar azul esverdeado, o Farol de Santa Marta.
De corpo robusto prismático, numa torre quadrangular de alvenaria branca, revestida a azulejos, com as suas duas faixas azuis inconfundíveis, elevando-se a 20 metros, quase tocando o azul do céu com a sua lanterna vermelha.

O deslumbramento rapidamente se apodera de Salvador e dos seus colegas. Todos gritaram a uma só voz, entre ruidosas palmas: - Viva o Farol de Santa Marta!


Cascais, 2011