domingo, 1 de fevereiro de 2015

Felicidade II

Em sintonia com “Que a noite encontre cada coração aberto, e semeie neles o brilho de uma estrela tímida... mas imensa em esperança.” a minha sugestão para este novo ano 2015 (que já vai navegando com velas pandas em mar aberto) é a de que: abramos então os nossos corações! (celebremos a Vida)!!

Interrogo-me, uma vez mais, sobre qual será o segredo para a Felicidade?
Olho à minha volta e vejo:

Uma menina linda, meio criança, meio adulta, de cujos olhos emana uma luz plena de alegria, numa constante celebração da vida. Celebrando com júbilo tudo o que aquela tem de melhor para lhe oferecer: a juventude e a esperança na conquista do futuro. Essa menina é certamente o meu orgulho.

Uma vizinha, amiga recente, de longos cabelos louros, porém não tão luminosos quanto a áurea por si emanada; possui uma voz calma e doce, é mesmo a tranquilidade feita gente. Tamanha serenidade e harmonia, será trabalhada? Parece andar constantemente envolta num halo… gosto desse caminho de luz e paz. Adoraria ter tanta serenidade.

Por outro lado, também tão perto de mim, uma mulher adulta, nos anos mais maduros da vida (aqueles que deveriam ser de maior sabedoria), amargurada, chorando o passado longínquo e perdido, renegando o presente, descrendo o futuro… tem o coração completamente trancado. Em vão, tenho tentado destrancá-lo… porque esse rompimento terá sempre de vir de dentro!
Não basta sermos informados e termos os olhos abertos; se quisermos ser felizes temos de abrir os nossos corações.

A Felicidade não está num céu de rios de leite, mel, e euros, não está no cimo do Everest “top of the world”, mas na forma como trilhamos o caminho para a alcançar. Desconheço fórmulas mágicas, mas o simples facto de mantermos os corações abertos à paixão, ao conhecimento, à arte, à cultura, a tudo o que nos transmite prazer, ao amor ao próximo (incluindo aos animais), à amizade, à família, mas também à adversidade (o saber aceitar), numa palavra: à Vida! é um bom começo.

Abramos os nossos corações, celebremos a Vida!

31/01/2015


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Lisboa

Ao meu marido, que embora espanhol tem muito da alma Lusa, e aos meus queridos seguidores/leitores de «habla española»: 

Lisboa

Si una gaviota pudiera escribir en el cielo  ¿qué escribiría ella?
Has sido la capital del imperio,
Donde apartaron las carabelas en dirección a lo desconocido.
Has sido morisca y ahora cristiana.

Sobreviviste al terremoto y al dominio Filipino,
Aunque mantengas el Muelle de las Columnas en la Plaza del Comercio,
cuyos dedos abrazan el río.
El mismo río que ves cada mañana bajo tu ventana.

Te gusta ver cruzar los barcos hasta el otro lado,
sus puentes y la gente ocupada.
Te gusta  vestirte de color azul como tu cielo y río,

Luces cabello largo y negro como las golondrinas de tu tierra,
una rosa en tu pecho cuando cantas el Fado,
y un chal negro sobre tu espalda para calentar tu tristeza.  

Sin embargo, te gusta desfilar hermosa en las calles, callejones y avenidas,
llevas en tu pelo el olor del mar, de los clavos y de la albahaca.
La gaviota si pudiera escribiría tu nombre: LISBOA!

24-11-2014

domingo, 16 de novembro de 2014

Sura (bebida tradicional Moçambicana)




Homem a recolher líquido para fazer sura (bebida fermentada da seiva da palmeira, de teor alcoólico).
Fotos gentilmente cedidas por Yazald Chavana Chavana.

19-10-2014

Mousse de chocolate com coco

Aos meus adorados primos, pela inesquecível infância dourada.
Que os nossos destinos permaneçam entrelaçados para sempre.

Paulinha não tinha irmãos de pai e mãe, mas tinha irmãos de coração. E o pai destes, era também, de alguma forma, seu pai.

Tio Câmara, era uma figura carismática, aprumadamente enquadrado na paisagem de então. Dele, Paulinha recordava-se bem das vestes a lembrarem tempos coloniais, sempre muito elegante e perfumado. Apesar das tradicionais cabedulas[i], balalaica[ii] e meias altas, tudo rigorosamente engomado, ostentava sempre um elegante e colorido lenço ao pescoço (um foulard masculino) que lhe dava um toque very dandy. Toda esta mise en scéne sob um sol tórrido com elevado grau de humidade.

Não só tio Câmara era grande, forte e alto, como grande era também o seu carro, o inconfundível Mercedes-Benz [Paulinha, não se recordava da cor] com a sua enorme roda, a fazer de volante.

Sentada, em cima dos joelhos do seu adorado tio, Paulinha, nem por isso chegava aos pedais da majestosa viatura, mas sob orientação daquele, girava a gigante roda, conferindo-lhe a falsa sensação de conduzir os caminhos do seu próprio destino.

- O que querem, hoje, tomar os meninos? – Dizia tio Câmara com a sua voz de tenor [na realidade, a voz era um dos seus múltiplos atributos].

- Mousse de chocolate! – Dissera prontamente Paulinha.

- Coca-cola! – Disseram em uníssono os primos Octávio e Filomena.

- Pois mousse de chocolate, seja! – Assegurava tio Câmara. – Vamos ao Chuabo!

Fosse qual fosse a resposta, Chuabo, ou lá como se chamava o snack-bar, seria sempre a resposta dos milhões.

Como esquecer, o mais moderno e emblemático café-snack-bar da Zambézia? Aquele que pertencia ao grande Hotel Chuabo de Quelimane… ao lado do não menos emblemático, prédio do Monteiro & Giro, de sete andares?! Recorde-se que estávamos no início dos anos 70, algures no coração da Zambézia… não, não era mato, era a cidade de Quelimane, a cidade de Paulinha, nos seus tempos áureos.

O café Chuabo era um dos locais predilectos do tio Câmara, pois constituía a oportunidade de rever e confraternizar com os seus amigos Bôeres (Sul-Africanos), também estes “fardados” com calções e camisas de caqui, imaculadamente engomados e meias altas.

Partilhavam os mesmos gostos, como a caça grossa, a aviação, o whisky on the rocks ou com soda…

- Hello Johnny, my friend! – Dizia tio Câmara a um dos seus amigos…

É verdade, algures num local recôndito da África oriental, mais precisamente em Moçambique, algures no coração da Zambézia, em Quelimane, terra de Paulinha, encontrava-se um dos mais luxuosos cafés dos anos setenta, com ar condicionado (nada de ventoinhas no tecto à boa maneira colonial), pasme-se – luzes verdes néon! whisky do bom (só este tinha direito de admissão), e a mais maravilhosa mousse de chocolate com coco que Paulinha alguma vez experimentara…

Não, não era o café Chuabo do Hotel Chuabo, era apenas o paraíso na terra, a avaliar pelo calor insuportável que se fazia sentir lá fora. (continua)


Novembro, 2014.




[i] Calções
[ii] Camisa masculina, larga de tecido fresco, com vários bolsos.



sábado, 18 de outubro de 2014

Felicidade


“Está a chover, está a pingar
e a raposa no quintal
a apanhar as laranjinhas
para o dia de Natal!”

Assim lengalava, que é como quem diz, cantava a lenga-lenga, Paulinha com os seus amiguinhos cor de ébano, todos descalços, em dias de chuva.

No quintal de D. Isabel, juntamente com as primeiras chuvas, era presságio que o Natal se aproximava a passos largos.

Donde viria essa cantilena infantil? A raposa não é um animal frequente em África… à excepção talvez, da raposa-do-Cabo… seria das fábulas de La Fontaine?

Yazald, por favor, traz-me de volta a minha infância perdida,
Traz-me de volta esses pingos grossos e cálidos de chuva
da minha Terra, beijando-me o rosto.

Ajuda-me a largar estas galochas que agora trago,
Quero voltar a sentir o cheiro da terra molhada e fértil,
Quero voltar a sentir o prazer de pular e brincar descalça à chuva,
Essa chuva abençoada,
Com as crianças da minha Terra, minhas irmãs, quer seus pais hasteiem a bandeira da Frelimo ou da Renamo… o que lhes importa?

Se a chuva quando cai, cai de igual modo em todos aqueles inocentes rostos…
Só em mim, ela cai gelada e despida de esperança.
Quero voltar a senti-la,

Quero voltar a ser criança e feliz!
Quero com essas crianças festejar a alegria da Paz, um dia!
Yazald, por favor, que boas novas me contas da minha amada Terra?

Cascais, 18 de Outubro de 2014.
Fotografia gentilmente cedida pelo baterista da banda do meu amigo e patrício Yazald.



sábado, 11 de outubro de 2014

O pequeno faroleiro e o grão de ervilha

Porque o prometido é devido, este pequeno conto é inspirado no conto “A princesa e a ervilha”, que tanto fascina a minha amiga do Farol de Santa Marta, Ana Cristina – Princesa Ervilha é para ti…

Salvador lá desceu em passos pequeninos, os degraus do farol, e juntara-se ao grupo de colegas que o acompanhava.

Ao passarem por uma das casas, outrora uma das modestas residências dos faroleiros de Santa Marta, Ana lembrou-se de uma pequena horta que lá havia e prontamente perguntou:

- Quem daqui gosta de sopa de ervilhas?

Foram poucos os que puseram o dedinho no ar, incluindo Salvador, o qual, ladino como sempre, fazendo cara feia, ripostou:

- Eu não!

- Pois eu vou contar-vos uma história, continuou Ana, sobre um grão de ervilha!

Antigamente, quando viviam aqui faroleiros, no tempo do faroleiro Ezequiel e do seu pequeno filho, lembram-se? Era costume utilizar-se este espaço para uma pequena horta.

Além de criarem animais, como patos e galinhas, para consumo próprio, cultivavam batatas, cenouras, alfaces, feijões e ervilhas.

Sabem que os grãos de ervilha são muito docinhos e excelentes para sopas e guisados.

Tal como o Salvador, também o filho do faroleiro Ezequiel, não era lá muito amigo de ervilhas…

Ezequiel passava muitas noites escuras em claro, sobretudo aquelas mais invernias e chuvosas, de vigia bem no alto do seu farol avisando com a sua luz, os barcos, navios e demais embarcações da proximidade das rochas.

Por isso, tinha como companheiro, além do seu fiel cachimbo, o seu termo de café bem quentinho que fazia com que tivesse um sono mais leve.

Mas o seu aprendiz de faroleiro preferido era ainda demasiado jovem para tomar café! Ezequiel lembrou-se então do que lhe fizera o seu pai e antes, o avô Malaquias a seu pai…

Foi até à horta de casa e arrancou uma vagem de ervilhas, lavando-as bem lavadinhas. Pegou num grão de ervilha e dirigindo-se a seu filho, disse-lhe:

- Antes de te deitares, coloca este grão de ervilha debaixo do colchão. O rapaz assim fez.

Na manhã seguinte, mal os primeiros raios de sol acordavam o oceano que se mostrava ainda cansado da noite anterior, Ezequiel perguntou-lhe:

- Dormiste bem, meu rapaz? Ao que o pequeno faroleiro lhe respondera:

- Não, meu pai! A verdade é que não consegui pregar olho toda a noite. Sempre que tentava mudar de posição, sentia o grão de ervilha debaixo do colchão e não conseguia dormir um sono descansado.

Ezequiel, sorrindo, adiantou:

- Então és um verdadeiro faroleiro, meu rapaz! Sabes, apenas os faroleiros de verdade conseguem sentir um tão pequeno grão de ervilha debaixo do colchão. Nas noites de tormenta, temos de nos manter alertas e vigilantes… então, colocamos um grão de ervilha debaixo do colchão. Agora sei que serás um bom faroleiro, como eu!


Outubro, 2014.





sábado, 20 de setembro de 2014

Os pavões de Santa Maria

Era um final de tarde agradável de calor ameno que se fazia sentir no Parque de Cascais. Ainda sequer eram 18:00 (de Verão o Parque encerra as suas portas mais tarde), ecoavam ainda pelos jardins e balouços os gritos felizes e barulhentos dos meninos, quando surgem três pavões engalanados, em fila, caminhando em direcção ao portão que dá para a Casa de Santa Maria, esta sobranceira ao mar, também calmo nessa amena tarde.

- Vamos, vamos que chegamos tarde! Dizia a pavoa.

- Calma, não há curso de português hoje em Santa Maria. Retorquiam os outros dois pavões.

- Mas não quero perder nada da cerimónia que está prevista para as 18:15… continuava a pavoa.

- Ora, achas que te deixam entrar a ti? Toda desajeitada e atarracada, com essas penas horrorosas marrons? Disse o pavão de plumagem exuberante, logo aproveitando para abrir o seu majestoso leque. E continuou:

- A mim, sim, vão deixar-me entrar no farol. Sou magnificente, símbolo de imortalidade. Certamente vão querer ter-me por perto aquando da cerimónia. Eu que acompanho a deusa olímpica, ficarei bem perto da Daniela.

- Cala-te! Retorquiu irritada a pavoa.

- Gabas tanto essa cauda e esqueces-te a quem deves esses olhos! Pobre Argus, pobre Io… Não, não creio que sejas um bom presságio para a boda. Morte e ciúme não combinam com Amor e Pureza!

- Pois não! Concordo plenamente. Insurgiu-se o pavão branco e logo retorquiu altivo:

- Esperem por mim. Boda alguma, muito menos hollywoodesca poderá ser abençoada sem a minha presença. Eu sim, sou o verdadeiro símbolo perfeito do Amor, Pureza, Fertilidade e Prosperidade.
  
- Vamos, vamos rapazes, repetiu insistentemente a pavoa, já na bateria superior do farol. Olhem, vejo ali em baixo a chuppah, tão linda, cheia de flores…

- Mas não é aqui no farol de Santa Marta! Disseram em uníssono os dois pavões.

- É aqui ao lado do farol, no hotel com o mesmo nome!

Lá em baixo o azul do céu límpido unira-se ao azul do mar calmo, parecendo que todos os deuses conspiravam num cenário de sonho.

- E agora? Como vamos nós atravessar essas rochas? Dizia o pavão branco.

- Não quero sujar nem molhar o meu traje branco! Voltemos para trás.

- Rápido. Disse a pavoa. – Há um portão do lado da rua, em frente ao portão de Santa Maria, que dá para o hotel.

E lá foram eles, atravessando todo o farol, em passo acelerado, sob os olhares intrigados de quem a tudo isso assistia: transeuntes, turistas, convidados para a boda, jornalistas… até o segurança rechonchudo e de cabelos brancos de Santa Maria, não entendia onde desejava ir tão peculiar grupo.

A pavoa parecia ter assumido o comando:

- Já os vejo… que linda vai a noiva no seu maravilhoso vestido caicai branco, acompanhada pelo seu pai.

- Lindíssima e de branco, como eu! Retorquiu inchado de vaidade o pavão branco. Eu é que acompanho Hera e abençoo casamentos!

- É pena o bouquet… desdenhou ciumenta a pavoa. – Tão singelo… tinha falado comigo e tinha-lhe colhido umas lindas flores em Santa Maria. Mas logo a sua atenção se desviou da noiva para…

- Esperem lá… aquele não é o Eric? Tenho de lhe pedir um autógrafo, rapazes!

- Está doida a galinha tonta! Dizia o pavão das cores exuberantes. – Calem-se, deixem-me ouvir o que diz o noivo aos jornalistas… Ah, percebi… “que agora tem de os deixar porque tem de ir casar-se.”

Lá dentro, ouviam-se os primeiros acordes de All of me de John Legend e tudo parecia feito de sonho.

Ouviam-se suspiros e a pavoa sussurrava:

- Olhem os convidados, isto parece a passadeira das vaidades. Foi feita para nós, vamos!

- Então vamos. Disseram os pavões. – Nós primeiro, “onde canta pavão, não canta pavoa.”

- Não é pavão nem pavoa, corrigiu a pavoa de penas marrons, é galo e galinha e esse dito ridículo e machista não consta da minha lista de provérbios.

Assim discutiam quando irrompeu à sua frente um dos seguranças do hotel.

- Xo, xo, vão-se lá embora de volta para o parque, ninguém vos convidou! Ou melhor, deixem lá a Chuppah e vão antes comer as flores de Santa Maria. Xo, xo…

19-09-2014