segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

 


Natal é sempre que uma criança nasce

     Era uma casa muito engraçada e muito alta e cor de tijolo,  

 tinha teto, tinha tudo…

      Tinha primeiro andar, tinha escadas brancas como a neve…

      Tinha um sofá, em tons damasco, encostado a umas janelas rasgadas que, teimosamente, insistiam em trazer o sol para dentro… por isso as cortinas, em tons de vermelho desmaiado, permaneciam abertas… mas o sol parecia aquecer pouco.

      Tinha duas gatas, uma a condizer com a decoração, de nome Ginger e outra, tal pantera negra, de grandes olhos verde-pinho.

      Conversavam em picardia, no seu miar cada vez mais british (tinham sido levadas pelos donos para Inglaterra há meia dúzia de meses).

Ginger, a mais sábia, dizia em tom de indignação:

− Olha lá, Bo! Do they know it's Christmas time?!

Why? Quer dizer, porquê? Não precisas de miar em inglês; os donos, Catarina e Tomás, não estão cá, podes miar em português, gosto mais.

E Ginger continuou:

− Foram-se embora passar o Natal a Portugal e deixaram-nos sem aquela ridícula árvore (porque era arrancada à natureza) enfeitada com umas maravilhosas bolas multicolores de lã com as quais adoramos brincar… será que se esqueceram? − Será que se esqueceram? Replicava insistentemente, como um sino de Natal.

Bo, perdida de sono, retorquiu:

− Rrrrrrrrrrrrr Rrrrrrrrrrrrr, deixa lá, com os humanos fora durante uns tempos, podemos ter uma verdadeira vida de gato, digo, de lord! − Onde será que a humana esconde o saco de água quente e os pacotinhos de chá?

− Minhauuuuuuuuuuuuu, já vamos descobrir, Bo! 

− Estou mais interessada na manta pied-de-poule e nas butter cookies!

E alegremente, cantarolavam: 

− Do they know it's Christmas time at all?!  

      Entretanto a muitos e muitos quilómetros de distância dali…

Era uma casa muito engraçada e muito pequena e branca,

tinha teto, tinha tudo…

      Tinha umas escadas pequenas.

      Tinha uma porta branca como a neve…

     Tinha também umas bonitas e brancas janelas, que teimosamente, insistiam em trazer o sol para dentro… e o sol aquecia muito.

      As janelas, bonitas e brancas, pareciam recortar a serra ao fundo no horizonte. Todas as tardes o sol em tons de damasco deitava-se entre o azul do oceano e o verde-pinho da serra.

      O jardim da casa engraçada, pequena e branca tinha gatos de todos os tamanhos, cores e feitios: grandes, pequenos, brancos, pretos, amarelos, malhados, às riscas, brincalhões, saltitões, sonolentos…

Viviam juntos, brincavam juntos, comiam juntos, dormiam juntos e cantavam juntos:

Todo o mundo quer a vida que um gato tem! 

      Por estes dias, o mais esperto deles, preto e branco, de nome Pompom, perguntou:

O jardim já não devia ter aquela ridícula árvore (porque era arrancada à natureza) enfeitada com gambiarras e umas maravilhosas bolas multicolores com as quais adoramos brincar?!

− Onde estão as luzes brilhantes que, nesta quadra,  iluminam o jardim?

 − Será que a humana, a D. Paula, se esqueceu? Replicava insistentemente, Pompom, como um sino de Natal! E ronronou:

− Por falar nisso, faz algum tempo que a não vemos. Têm sido as vizinhas que nos põem a comida. O que será que lhe aconteceu?!

Todos os gatos cantavam em uníssono:

Do they know it's Christmas time at all?! 

                 Não muito longe dali, D. Paula recuperava de uma queda estapafúrdia que lhe partira o tornozelo direito. Resolvera então ir para casa de sua mãe, D. Helena, que vivia numa casa muito diferente das outras duas: da casa muito engraçada e muito alta e cor de tijolo e da casa muito engraçada e muito pequena e branca.

      A terceira casa tinha duas coisas iguais às outras duas: uma gata (que D. Paula tinha levado consigo), esta muito felpuda, pelo multicolor aveludado em tons negro e fulvo e de grandes olhos verde-pinho e, curiosamente, a ausência da habitual e ridícula  árvore (porque era arrancada à natureza) enfeitada com gambiarras e bolas multicolores.

      A gata, Mia de seu nome, habituada durante a quadra natalícia a ver no jardim da casa engraçada e muito pequena e branca,  a árvore enfeitada com luzes e bolas multicolores estranhou a falta de brilho na casa diferente e ronronou:

Do they know it's Christmas time at all? 


      Algo de muito estranho parecia estar a ensombrar essas casas. Por onde andaria, este ano, o espírito de Natal?

      Os humanos da primeira casa, a casa muito engraçada e muito alta e cor de tijolo, pareciam ter outra prioridade… não poderia ser em nome da ecologia…

D. Paula, da casa muito engraçada e muito pequena e branca, não tivera tempo de decorar o seu jardim… nunca tal acontecera…

A mãe de D. Paula, surpreendida pela visita  inesperada e prolongada da filha, do neto Pablo e ainda da gata Mia, parecera esquecer-se completamente das decorações natalícias.

 

      Foi então que o espírito de Natal resolveu surpreender tudo e todos e, através do Deus-Menino, Deus enviou a essas três casas um sinal de Luz e Esperança.

      D. Paula recebeu com emoção a notícia da chegada do Menino Jesus da família; chegará em junho e simboliza o verdadeiro espírito do Natal.

      Em junho será Natal e todas as três casas, a muito engraçada e muito alta e cor de tijolo, a muito engraçada e muito pequena e branca e a diferente das outras duas resplandecerão de luz cor de ouro tal estrela de Belém.

 

      É Natal, É Natal! 

 

Conto escrito, a pedido da minha filha Catarina, para o bebé que vem a caminho.

Com todo o amor da sua avó,

Ana Paula Fogaça

20 de dezembro de 2021.

 


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