quinta-feira, 8 de agosto de 2024

 

Para a minha neta pequenina, Teresinha, com muito carinho da avó Paula.

Cascais, 8 de agosto de 2024.

 

As aventuras da gata Mia

Era uma vez uma gata muito engraçada, muito felpuda, com pelo multicolor aveludado em tons de negro e fulvo e com grandes olhos verde-pinho. Desde a ponta do nariz até aos olhos, uma enorme e singular mancha branca atravessava-lhe todo o focinho. Esta marca particular fazia com que alguns a achassem uma bichana feia, mas para D. Paula, Mia, o nome que lhe dera, era a gata mais linda das redondezas. Diferente e muito meiga, Mia adotara como seus donos, D. Paula e o filho desta, Pablo, num final de tarde quente de agosto.

Mia, a gata, depressa se habituaria ao som curto e melódico das três letrinhas do seu nome − MIA!

Antes de ir morar com D. Paula, a gatinha vivera livre pelos terrenos e telhados da pequena povoação entre a serra e o mar. Era lá que D. Paula, professora numa escola próxima, morava com o filho.

Mia vivia, agora, confortavelmente, na casa dos donos que escolhera e recebia destes todos os mimos e cuidados que durante muito tempo não tivera. Apesar disso, mal os primeiros raios de sol despertavam do lado norte da serra, Mia, a gata, apressava-se a arranhar na porta que dava para o quintal. Então, D. Paula, invariavelmente à mesma hora, abria-lhe a porta para que Mia, a gata, pudesse pisar a relva, ainda fresca, do orvalho da manhã. Porém, Mia, a gata, habituada a passeios mais distantes, não se contentava com o quintal. Mia era aventureira e gostava, por isso, de correr livremente pelos campos ao sabor do vento quente do estio, de rebolar nas flores brancas, amarelas e roxas que atapetavam os terrenos baldios, e de brincar com passarinhos, borboletas, ratinhos e lagartixas. Mia gostava de sentir o calorzinho dos raios de sol, empoleirada em algum alpendre, de correr atrás das galinhas do vizinho Manel, ainda que nunca as conseguisse apanhar. Tio Manel, sempre atento, rapidamente lhes abria a porta do galinheiro e Mia, a gata, voltava-se para os gatinhos da colónia.

Ao fundo da rua, pertinho do riacho, havia uma colónia de gatos protegidos pela vizinha Beatriz e por D. Paula, a professora. Mia, a gata, também brincava com os seus amiguinhos. Outras vezes, Mia, a gata, deliciava-se do alto de algum muro a ouvir as crianças do povoado; estas, entre risos e gritos, cantavam alegremente:

 

Borboletinha tá na cozinha

Fazendo chocolate para a madrinha

Poti-poti

Perna de pau

Olho de vidro

E nariz de pica-pau

Pau-pau

 

− Olha, Olha, Teresinha, vê só que gata mais engraçada! Tem uma mancha branca no focinho!

− É a gata da D. Paula!

Assim passava os dias, Mia, a gata. Quando sentia fome ou sede, sabia que D. Paula deixava, sempre, uma janela de casa entreaberta que lhe permitia entrar e sair a seu bel-prazer.

Mas quando o astro rei se estendia para dormir embalado pelas ondas da praia, não muito longe dali, Mia, a gata, voltava para o conforto da casa de D. Paula e do seu filho. Ronronava até adormecer, aos pés da cama dela ou da do seu filho, o Pablo, que a adorava.

Assim corriam os dias, as semanas, os meses… um dia, uma das vizinhas, a velha D. Adelaide, resmungou dizendo: − O raio da gata da D. Paula! A bichana dá-me cabo das flores do jardim… e logo um outro vizinho, o Tio Joaquim, acrescentou: − Então, não se pode agora ter um talo de couve plantado para o Natal, que a gata da D. Paula logo se entretém escavando buracos na terra?! D. Paula apressou-se a defender Mia, a sua gata, afiançando a pés juntos que não podia ser a sua bichana! Afinal, Mia estava habituada ao jardim com flores lindas e delicadas da vizinha Beatriz e nunca estragara nada! − Não, não podia ser! D. Paula, recusava-se a acreditar numa ideia que lhe parecia disparatada. Foi então que teve uma ideia: arranjou-lhe uma coleira linda, vermelha e sem guizo. Linda como Mia, a gata; vermelha para que se visse bem; sem guizo, porque os gatos detestam que se saiba onde estão.

Na manhã seguinte, antes de lhe abrir a porta de casa que dá para o quintal, colocou-lhe a coleirinha vermelha e sem guizo. No final do dia, quando Mia, a gata, regressava a casa, D. Paula retirava-lhe a coleirinha vermelha e sem guizo, para que dormisse sossegada.

Alguns dias depois a velha Adelaide e o Tio Joaquim, os vizinhos, abordaram D. Paula dizendo em tom aborrecido, que a gata Mia continuava a invadir-lhes o quintal e os terrenos, arrancando flores e couves, cavando buracos. – Sim, D. Paula, é a sua gata, pois tem a mesma mancha no focinho! Então, D. Paula, calmamente, perguntou-lhes se a bichana tinha posta uma coleirinha linda e vermelha, sem guizo. Os vizinhos entreolharam-se e afirmaram em simultâneo: − Não, não tinha nenhuma coleira! D. Paula respirou de alívio e repetiu: − Então, não é a minha gata. Pode haver outra gata com uma mancha branca no meio do focinho, possivelmente, uma irmã, uma gatinha da mesma ninhada ou mesmo a mãe, mas não é a minha gata. A minha gata, a Mia, usa sempre uma coleirinha linda,  vermelha e sem guizo.

A partir desse dia, Mia, a gata, passou a ser conhecida como a gata da senhora professora, a única da coleirinha linda e vermelha, sem guizo. Toda a gente na pequena povoação passou a conhecer e a distinguir sem qualquer dúvida, Mia, a gata aventureira mais feliz! – Olhem, é a gata da senhora professora!

 

 

 

 

                                                                 Ana Paula Fogaça

                                                            8 de agosto de 2024